quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A Cabeça do Baptista



A Cabeça do Baptista

Encenação: Manuel Guede Oliva

Escritor: Don Ramón María del Valle Inclán

“Melodrama para marionetas” - foi desta forma que o grande Don Ramón María del Valle Inclán definiu “A Cabeça do Baptista”, peça que configura o “Retábulo da avareza, da luxúria e da morte”. O seu argumento é conciso, categórico, como uma pancada imprevista que com o seu aperto quisesse paralisar as personagens de um rito que vinham entretendo as horas entre sombras de nada.
Alberto Saco, conhecido por “El Jándalo”, chega a uma aldeia indeterminada, num lugar inefável, com o propósito explícito de vingar-se de Don Igi, um indiano que fora em tempos amante, ladrão e assassino da Baldomerita, a mãe do recém-chegado.
Don Igi vive agora, à falta de melhor companhia, amancebado com Pepona, uma espécie de prostituta irreverente e vulgar. Diante da aparição de Alberto Saco, a ela irá confiar os seus medos e nela encontrará o seu maior aliado. Os dois planeiam a vingança, mas é Pepona quem lhe dá o alento moral que tem de resultar numa execução fria e exacta. Uma crueldade premeditada, pérfida e nocturna envolve a peça.
A tragédia para estas personagens do melodrama começa precisamente onde o melodrama e a marioneta concluem. “A Cabeça do Baptista” é uma obra num acto que tem uma óbvia afinidade simbólica com a história grotesca de São João Baptista, Salomé e Herodes.
(Manuel Guede Oliva)

Autor: Ramón del Valle Inclan | encenação: Manuel Guede Oliva | assistente de encenação: Thamara Thais | tradução: António Pescada | cenografia: escultor Rui Anahory | figurinos: Silvia Alves | desenho de luz: Fred Rompante | criação de som: Nuno Mendonça | imagem: Frederico Bustorff Madeira | criação gráfica: Carlos Sampaio | Actores: Solange Sá, Waldemar Sousa, Rui Madeira, Carlos Feio, Jaime Soares, André Laires, Rogério Boane

http://www.theatrocirco.com/agenda/evento.php?id=573


No início do século passado perguntaram a Valle-Inclán como imaginava que seria o teatro no séc. XXI. Ele, que na altura andava a fugir de uma cena provinciana, burguesa e que, portanto, já era um autor problemático para o seu tempo e de difícil materialização cénica, respondeu rotundo ao jornalista que se o soubesse já o estaria escrevendo.
Estamos agora a um século daquela pergunta e o teatro de Valle-Inclán aparece diante de nós coarctado de uma arquitectura actualíssima, como recém-imaginado para se afundar nas tensões do homem de hoje, luxúria, avareza e morte, e agarrar-nos nas correntes de uma contemporaneidade perplexa, submetendo a nossa acção ao seu ditado radicalmente moderno, como se, verdadeiramente, o seu real compromisso consistisse em escrever para cem anos depois de seu tempo.
Eu, em qualquer caso, como encenador deste aqui e deste agora concreto, não sinto que nada do teatro de Valle-Inclán me resulte anacrónico, velhas heranças de sobrado, mas, pelo contrário, a sua proposta teatral obriga-me a imaginar soluções de arriscada exigência cénica.
Bem sei que Valle-Inclán não é um autor frequente nos palcos portugueses embora os mais sábios da tribo conheçam as estreitas relações que o nosso autor manteve com os intelectuais lusos mais comprometidos do momento e a sua vocação republicana. O seu intenso envolvimento com a língua tem-no, paradoxalmente, afastado de muitas literaturas europeias, dada a dificuldade de adaptar os seus textos sem que se veja alarmantemente perdida a sua genialidade.
Por isso, é para mim uma enorme satisfação contribuir para que a sua palavra seja incorporada no reportório de uma das companhias históricas do teatro português, com tudo quanto significa de aprofundamento do diálogo empreendido há muito tempo entre a Galiza e o Norte de Portugal.
Obrigado, claro, a Rui Madeira por tê-lo proporcionado.
Manuel Guede Oliva






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