quinta-feira, 7 de abril de 2011

"Transit"

Transit

Dois homens que se encontram. Dois mundos que se cruzam. Como num filme. Sem psicologismos. Sem teatro. A reinvenção da sobrevivência através da Palavra. Cada um encontra no Outro a razão da sua permanência ali/aqui. Duas vidas jogam-se no silêncio da espera. Nunca se perceberá quem é caçador e quem é caçado. Neste jogo é vital não perder o argumento. A Palavra mata!
Um exercício sobre o não teatro, levando os actores à procura de um tom em que cada frase dita, resulta apenas do prazer de não se deixar matar. A capacidade de especular sobre cada momento na busca da energia para aguentar o combate no momento seguinte, é o que mantém a Vida. Tudo pode ser verdade e mentira. Tudo hoje é verosímil, tudo é espectacular. Já não nos aguentamos sem máscara…
Jet Lag e Check In são, afinal, dois actores numa luta pela sobrevivência.
Regina Guimarães e Saguenail criaram uma obra teatral densa, “escondida”, estilo “quebra-cabeças” que obriga a um profundo e aturado trabalho de experimentação dramatúrgica com os actores. Sim, se é verdade que todos os espectáculos precisam de dramaturgia, este texto exige-a! Impõem-na como um exercício lúdico. É, neste caso, mais um jogo de vida, mais um duelo entre os dramaturgos, dum lado e encenador e actores, do outro.
Partimos para a encenação experimentando o texto no corpo dos actores, explorando uma proposta que conduza os espectadores a uma situação de tensão, como num filme de suspense. Queremos que a dúvida se instale sobre os personagens, o que fazem ali e o que pretendem.

Rui Madeira

TRANSIT é um texto que começa a abrir caminho no aeroporto de Milão, numa daquelas situações de black-out informativo em que nem se parte nem se sabe quando se vai partir. Para resistir à fúria, praticam-se pacatos exercícios de observação: cartazes, painéis, sinais, montras, carrinhos, fardas, bichas. Repara-se então nos mínimos e nos máximos de sobrevivência que o aeroporto oferece, desde cigarros e pastilhas elásticas até casacos de arminho e massagens VIP. Repara-se nas pessoas: os que andam perdidos, os que avançam em piloto automático, os que parecem solitários, os que têm ar de pessoa colectiva. E surgem, antes de tudo, os nomes dos dois protagonistas, JET LAG e CHECK IN, como se os nomes fossem a caverna e os tesouros, os ladrões e o abre-te sésamo. De súbito, torna-se óbvio que os tijolos da construção que a cabeça se atreve a erguer, ainda sem alicerce, se inspiram na massa de semelhança entre a pequena cidade aeroporto e a cidade securitária formatada pelo neoliberalismo. Assalta-nos a recordação inolvidável das reuniões da Câmara Municipal do Porto em que o cidadão distraído pode descobrir o «projecto de cidade» que lá se trama – feita de falsos hotéis de charme, spas new age, mais parkings do que parques, restauração rápida disfarçada de gourmet, e bué da lojas de griffe... – é tão-só uma cópia a céu aberto (?) dos corredores de aeroporto. E são essas estudadas parecenças, a par dos terríficos sentidos de que são portadoras, que nos convencem a não deixar a «peça» nascente no lixo do devaneio.
De que maneira a luta de classes se manifestaria no espaço confinado e videovigiado de um talk show televisivo? É a esta pergunta que encarregamos JET LAG e CHECK IN de ir respondendo, dotando-os da possibilidade e da vontade de criar rompimentos, de furar o aquário onde asfixiam com a ponta acerada das suas pequenas e grandes raivas.
TRANSIT foi-se escrevendo, via correio electrónico, entre o Porto e Calcutá. É um objecto do qual gostaríamos que se conservasse a estranheza (também de o termos levado a bom termo) e o peso paradoxal do improviso (ping-pong entre autores e entre personagens, os primeiros distantes, mas próximos; os segundos próximos, porque reunidos pelo espaço improvável da representação, mas irremediavelmente distantes). Será possível um objecto em palco manter-se em trânsito?

Regina Guimarães e Saguenail, Março de 2011


Transit de Regina Guimarães e Saguenail
Encenação: Rui Madeira
Assistente de encenação: Solange Sá
Actores: Rogério Boane e Waldemar de Sousa
Espaço Cénico: Carlos Sampaio, Solange Sá e Rui Madeira
Figurinos: Sílvia Alves
Desenho de luz: Fred Rompante
Espaço sonoro: Luís Lopes
Criação vídeo: Frederico Bustorff Madeira
Criação gráfica: Carlos Sampaio
Fotografia: Paulo Nogueira
M/12




Mais informações:
http://www.ctb-transit.blogspot.com



ÚLTIMO ACTO
Um espectáculo de Rui Madeira, Anna Langhoff e Alexej Schipenko

Espectáculo de Rui Madeira, Anna Langhoff e Alexej Schipenko regressa ao Pequeno Auditório do Teatro Circo para mais uma série de espectáculos.
Denominado de não-teatro, Último Acto é um retrato cruel e cómico sobre as relações de poder no teatro, um olhar descarnado sobre as práticas e a cultura teatrais, onde o público é parte implicada e assume o papel de actor da história.
Composto pelo texto homónimo de Anna Langhoff e pelo texto Arte do Futuro de Alexej Schipenko, a peça conta com a interpretação de Solange Sá, Waldemar de Sousa, Rogério Boane, André Laires, Frederico Bustorff Madeira e Vicente Magalhães.

Sinopse:
Último Acto, de Anna Langhoff, foi representado pela primeira vez no Teatro Gorki, dirigido pela autora. Trata-se de uma peça que decorre durante um ensaio, próximo da estreia, a partir do momento em que o encenador é “visitado” pelo escritor/dramaturgo. Este deseja que aquele escolha dirigir um texto seu. Um retrato cruel e cómico sobre as relações de poder no teatro, um olhar descarnado sobre as práticas e a cultura teatrais e o entendimento ou desconhecimento que delas fazemos.
A Arte do Futuro, de Alexej Schipenko, é um texto onde também se fala de arte, de deus, da morte, do mundo, dos nossos desejos e medos.

Um espectáculo de Rui Madeira, Anna Langhoff e Alexej Schipenko | Assistentes Carlos Feio e André Laires | Com Solange Sá, Waldemar de Sousa, Rogério Boane, André Laires, Frederico Bustorff Madeira e Vicente Magalhães | Tradução Helena Guimarães e Regina Guimarães | Desenho de luz Fred Rompante | Ambiente sonoro Luís Lopes | Criação vídeo Frederico Bustorff Madeira | Criação gráfica Carlos Sampaio | Fotografia Paulo Nogueira | M/16